Praticamente metade da população mundial passará por eleições em 2024. Um balanço da agência AFP aponta que 30 países vão eleger um presidente ou outro tipo de chefe de governo. As votações terão o poder de mexer com a ordem mundial e, segundo os especialistas ouvidos pelo site da Jovem Pan, será uma disputa entre democracias liberais e autoritarismo, além do fato dos eleitores colocarem como prioridade a segurança, ainda mais diante da instabilidade mundial dos últimos anos, com guerras em curso e tensões entre nações escalando. Diante deste cenário, a solidariedade internacional fica em segundo plano. “São 4,2 bilhões de pessoas que vão votar, quase metade da população mundial e 42% do PIB, e as eleições podem influenciar a ordem global”, afirma Vitelio Brustolin, professor de relações internacionais da UFF e pesquisador de Harvard. Apesar da necessidade de estar atento em todas as eleições que vão acontecer, existem alguns pleitos para os quais o governo brasileiro precisa dar uma atenção maior, como: Estados Unidos, União Europeia, Portugal, Uruguai, e México.
“Quando a gente olha para o Brasil, temos a eleição em Portugal, muito importante para as relações bilaterais, principalmente porque o país tem aberturas com a União Europeia, que também passa por eleições no ano que vem, e merece atenção porque tem as definições de política externa dos 27 países que compõem o bloco”, destaca Igor Lucena, economista e doutor em relações internacionais pela Universidade de Lisboa. O pleito dos Estados Unios é, sem dúvidas, o mais importante, mas chamam a atenção as eleições no Uruguai e no México. “O Uruguai é importante porque é grande parceiro do Brasil e já mostra que se não tiver mudanças no Mercosul, pode tomar suas decisões solos e unilaterais”, explica o especialista. “Já o México é o principal parceiro latino americano dos Estados Unidos, passou a China em relações comerciais e rivaliza com o Brasil em vários temas. Perdemos muito com a baixa interação com o México”, diz Lucena. Caso a candidata Xóchitl Gálvez vença, há uma possibilidade maior de aproximação entre os países do que com o atual chefe de Estado, Lopes Obrador. “É uma eleição que também tem contorno importantes para a economia brasileira.”
O cientista político Leandro Consentino reforça que o cenário político no Uruguai — as eleições estão marcadas para junho de 2024 — é de suma importância para o atual governo brasileiro em um momento em que acabou isolado no Mercosul do ponto de vista ideológico, uma vez que os outros países estão mais à direita. “É preciso ver se o Uruguai vai continuar com a direita no poder, ou se o Brasil vai ganhar companhia no campo da esquerda”, reforça o professor. Em relação ao México, o especialista lembra que o país é uma economia importante do ponto de vista da América Latina, e suas eleições vão dizer muito sobre os rumos da região. “A gente tem sempre essa dúvida se está se desenhando uma nova onda rosa aqui, uma emergência da esquerda, ou o contrário. “Com as últimas eleições argentinas, pode ser que a gente esteja já enfrentando uma ressaca dessa onda rosa e caminhando mais para a direita”, diz o especialista.
Quando se olha para o cenário global, a guerra entre Rússia e Ucrânia, que completa dos anos no dia 24 de fevereiro, a guerra entre Israel e Hamas, iniciada no dia 7 de outubro, a tensão no Sudão, a disputa territorial entre Guiana e Venezuela, o conflito entre Azerbaidjão e Armênia, entre outros, interferem diretamente nas eleições que vão ser realizadas no próximo ano. “Afetam de uma maneira que os eleitores passam a colocar a segurança em primeiro lugar, independentemente qual seja o país onde estejam e que mensagens de integração de imigrantes, problemas econômicos e até mesmo solidariedade internacional terminam ficando em segundo lugar”, prevê Lucena. “As nações que estão em guerra ou muito próximas de uma passam a colocar em primeiro lugar a sua segurança de infraestrutura, de fornecedores, cibernética e principalmente militar”, acrescenta. Esses acontecimentos aumentam a disputa entre democracias liberais e nações autoritárias, questões que já não são mais sobre esquerda e direita. “Se no passado a gente assistia a uma divisão nítida entre capitalismo e indivíduo, eu acho que vemos agora são países capitalistas, sejam de esquerda ou de direita, contra países comunistas”, contextualiza Lucena.
“Estamos assistindo países liberais, democracias liberais, sejam à esquerda ou à direita, e democracia e nações autoritárias. Então acho que o grande racha no mundo é isso, se os países vão seguir um modelo de desenvolvimento e sociedade ou o das nações autoritárias, estatais e intervencionistas”, acrescenta. Consentino concorda, e complementa dizendo que hoje a grande questão é globalismo x nacionalismo, que acaba resvalando nessa questão de democracia e autoritarismo. “Estamos em um momento em que a grande oposição se dá entre liberais, democráticos, pró-globalização ou pró-internacionalização, e autocráticos fechados, que estão olhando mais para uma questão nacionalista, mais para dentro”, fala Consentino. O professor Vitélio Brustolin reforça que as eleições nos Estados Unidos, que pela primeira vez em anos traz dois candidatos que já foram presidentes disputando o cargo, são de extrema importância para a ordem mundial, principalmente para Vladimir Putin, líder russo que concorrerá a reeleição. Dependendo do posicionamento do Donald Trump em relação à Ucrânia, muda todo o cenário para a Europa.
Eleições que merecem atenção em 2024
Rússia: no poder desde 2000, com um hiato de quatro anos (2008-2012) como primeiro-ministro, Vladimir Putin tentará no dia 17 de março a reeleição presidencial. Nos últimos anos, a oposição e a sociedade civil foram amordaçadas no contexto do conflito na Ucrânia: os principais opositores políticos estão exilados ou presos, como Alexei Navalny, inimigo número um do Kremlin; outros morreram ou foram fisicamente silenciados.
Índia: O primeiro-ministro Narendra Modi, no poder desde 2014, tentará se reeleger pela segunda vez e é o favorito, mas 26 partidos de oposição se uniram recentemente para tentar vencer o pleito em abril no país de 1,4 bilhão de pessoas. Cerca de 945 milhões de indianos estão convocados a comparecer às urnas em maio para as eleições gerais neste país que, em 2023, se tornou o mais populoso do mundo.
México: pela primeira vez na história mexicana, uma mulher pode se tornar presidente, um símbolo importante nesse país que registra milhares de feminicídios por ano. A ex-prefeita da Cidade do México Claudia Sheinbaum, do partido no poder Morena (esquerda), que lidera amplamente as pesquisas, e a senadora Xóchitl Gálvez, por uma frente que reúne três partidos de oposição, se enfrentam no dia 2 de junho.
União Europeia: Mais de 400 milhões de eleitores de 27 países europeus serão convocados a eleger, no começo de junho, 720 deputados para o Parlamento Europeu, em um gigantesco pleito transnacional. Estas eleições podem se caracterizar por um novo avanço das forças eurocéticas, como evidência o triunfo do partido de extrema-direita e islamofóbico PVV no pleito legislativo dos Países Baixos. A eleição para o Parlamento Europeu ocorre no momento em que a imigração é objeto de intensos debates em muitos dos 27 países e que o custo de vida dos europeus tem aumentado por conta da inflação.
Estados Unidos: marcada para 5 de novembro, a 60ª eleição presidencial norte-americanas deve ter um ar de déjà-vu, com a revanche esperada entre o presidente democrata Joe Biden, de 81 anos, e seu antecessor republicano, Donald Trump, de 77.
Venezuela: ainda não há uma data marcada para a eleição presidencial prevista para 2024. Neste país afetado por uma grave crise política e econômica, que levou mais de sete milhões de pessoas ao exílio. O socialista Nicolás Maduro, sucessor de Hugo Chávez (1999-2013), busca um terceiro mandato no segundo semestre de 2024. Grande parte da oposição, que durante muito tempo esteve dividida, se uniu em torno da liberal María Corina Machado, apesar de ela estar inabilitada politicamente.
Índia: O primeiro-ministro Narendra Modi, no poder desde 2014, tentará se reeleger pela segunda vez e é o favorito, mas 26 partidos de oposição se uniram recentemente para tentar vencer o pleito em abril no país de 1,4 bilhão de pessoas. Cerca de 945 milhões de indianos estão convocados a comparecer às urnas em maio para as eleições gerais neste país, que em 2023 se tornou o mais populoso do mundo. Esta eleição acontecerá em um contexto de retrocesso nos direitos políticos e liberdades civis, segundo a ONG Freedom House.
Para além dessas eleições, várias outras estão previstas e merecem se acompanhadas. A primeira a abrir essa maratona de votação é a de Bangladesh, marcada para dia 7 de janeiro e onde a primeira-ministra, Sheik Hasina, tentará se eleger pela quinta vez no país de 170 milhões de habitantes. Taiwan também vai às urnas em um momento de tensão crescente entre Estados Unidos e China. A ilha se tornou mais um ponto de atrito, pois os chineses a consideram parte de seu território e querem voltar a ter controle sobre ela, e os norte-americanos já sinalizaram que vão ajudá-los a se defender. Belarus, Irã, Paquistão, Senegal, Ruanda, Reino Unido, África do Sul e Indonésia são outras regiões que terão mudança ou continuação do governo.
Leia também
Elefante-marinho circula pelas ruas da Tasmânia e preocupa autoridades
Milei anuncia ‘megadecreto’ que revoga mais de 300 medidas e desregula economia da Argentina