Tal como o personagem da série televisiva norte-americana com o mesmo nome, Gastão Pereira da Silva era um psiquiatra que fazia consultas através da rádio, mas cerca de 50 anos antes.
Todos os sábados entre 1947 e 1950, o brasileiro conduziu o programa “Mundo dos Sonhos”, no qual encenava as histórias contadas pelos ouvintes e depois fazia a respetiva análise.
Na exposição é possível escutar um excerto de um dos episódios e observar vários livros dedicados ao tema pelo médico, escritor e dramaturgo que se tornou num dos maiores seguidores de Freud no Brasil, apesar de ser autodidata.
“Gastão Pereira da Silva foi um dos maiores divulgadores da psicanálise no Brasil. Ele fazia programas de rádio, escrevia em revistas e publicou livros destinados ao público em geral”, afirmou a responsável pela exposição, Jamie Ruers.
Numa carta datada de 1934, cuja cópia está exposta, Freud agradece ao brasileiro pela oferta de um livro e por “todo o trabalho na psicanálise”, mas desculpa-se por não poder contribuir com um prefácio, prometendo em compensação uma fotografia autografada.
“Também existe o obstáculo de que eu não consigo ler português e só consigo expressar algumas frases bem intencionadas. Mas não deve lamentá-lo; o meu nome é desconhecido no Brasil e está destinado a ficar conhecido apenas através do seu trabalho”, escreveu, em alemão.
O entusiasmo pelas ideias de Freud no Brasil e em outros países latino-americanos, como a Argentina, Chile, México e Peru, são refletidas pelos inúmeros livros e revistas publicados nas primeiras décadas do século XX, alguns dos quais em exposição.
Pioneiros como o peruano Honorio Delgado, o médico brasileiro filho de escravos negros Juliano Moreira e o chileno Germán Greve Schlegel contactaram e corresponderam-se com Freud no final do século XIX e início do século XX e ajudaram a promover a doutrina da psicanálise nos respetivos países.
Parte do interesse inicial partiu do livro “Über Coca” publicado pelo alemão em 1884 sobre os usos da planta da coca na Bolívia e no Peru.
Antes destes contactos, o próprio Freud já tinha uma relação afetiva com o castelhano, o qual aprendeu de forma autónoma para poder apreciar na língua original o livro favorito, “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes.
A estima de Freud pelos seus seguidores hispanófonos é evidente pelo facto de, em 1938, quando decidiu exilar-se em Londres, ter transportado vários dos livros em língua espanhola que lhe tinham sido enviados, enquanto deixou outros pertences para trás.
“Alguns livros ainda tinham as folhas por rasgar, por isso ele nem os chegou a ler, mas fez questão de trazê-los de Viena para Londres”, disse a curadora da exposição, Jamie Ruers, à agência Lusa.
Sigmund Freud nunca chegou a visitar a América Latina, mas o legado continua a existir, afirmou o investigador Mariano Ruperthuz, coautor do livro “Estimado Dr Freud: una historia cultural del psicoanálisis en América Latina”.
“Buenos Aires é a capital mundial da psicanálise no mundo, tem o maior número de psicanalistas por habitante”, disse à Lusa.
Mais de 30% dos visitantes do Museu Freud, em Londres, são brasileiros e argentinos, uma das razões para a organização desta exposição, que vai manter-se até 14 de julho.
Foi Ruperthuz quem descobriu nos arquivos do médico e poeta chileno Juan Marin (1900-1963) uma carta datada de 1938 assinada por Freud, já doente, cujo original está na biblioteca nacional do Chile.
Marin e o poeta Pablo Neruda, ambos admiradores, tinham oferecido a Freud e à família asilo naquele país, numa região onde alguns judeus encontraram refúgio da perseguição nazi, mas o austríaco morreu na capital britânica em 1939.
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